Por Loreena Cordeiro
Na cena musical, os problemas enfrentados antes da pandemia da COVID-19 refletem no momento atual: os artistas do mainstream continuam no topo, enquanto outros são afetados em dobro.
Ao procurar artistas para falarem sobre como têm lidado com seu ofício na pandemia, não houve recusas. Via Instagram, Judá, baixista da banda Pense, de Belo Horizonte, logo se prontificou: “estamos sim dispostos a falar, nosso produto é o show e não podemos mais vendê-lo”. Já Marcos Brey, cantor solo, encontrou na parte da manhã um horário em sua agenda para poder responder às questões, antes de começar seus outros trabalhos que dividem, com a música, o palco de sua vida.
Banda Pense - Foto: Fernando Visky
Quem faz a arte?
Fundada em 2007, em Belo Horizonte a banda Pense é uma banda de Hardcore e possui três cd’s de estúdio gravados: Espelho da alma (2011), Além daquilo que te cega (2014), Realidade vida e fé (2018), DVD e documentário no Youtube. A banda começou com Lucas (vocalista), Marcio (ex-baterista) e Judá, o baixista que concedeu a entrevista.
Hoje, é formada por Lucas Guerra (vocal), Ítalo Nonato (guitarra), Judá Ramos (baixo), Cristiano Souza (guitarra) e Charles Taylo (bateria). Possuem sete videoclipes e já rodaram boa parte do Brasil, como São Paulo, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Paraná, além de várias outras capitais.
Marcos Brey é morador de Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte, veio de uma família musical e já foi baterista de uma banda independente. Em 2012, decidiu seguir carreira solo com canto e violão. Rodou por todas as regiões de Minas Gerais. Sua música “Luzia” competiu em um festival com diversas outras canções de artistas independentes. Já foi para a Colômbia cantar, onde fez amigos e foi anfitrião cultural quando estes vieram ao Brasil. Gravou disco, em 2018, e é um dos idealizadores do Encontro de Compositores, evento que busca reunir artistas independentes para mostrarem sua música.
A arte percorre de modos diferentes a vida de cada personagem dessas histórias: alguns vivem apenas disso, outros adaptam a rotina com outras demandas que os ajudam a se manterem. Contudo, nenhum ainda consegue viver sem ela.
Marcos Brey artista nevense
A vida de quem faz a arte
A rotina de Marcos Brey mudou muito com a chegada da quarentena e, para falar em mudanças, foi necessário contar que não é só a música que sustenta – em todos os pilares – a vida do artista. É professor de sociologia na rede pública de ensino e também gestor cultural do Semifusa, coletivo cultural de Ribeirão das Neves. Logo, essas outras demandas ocupam espaço relevante no dia de Brey.
Na primeira parte do dia procura se dedicar ao coletivo Semifusa. Como professor, dedica a parte da noite, em que normalmente seria o horário que estaria em aula. Além disso, fica disponível, via WhatsApp, para enviar demandas e tirar dúvidas de seus alunos.
O marcador de “casa x trabalho” se perdeu com a pandemia. Quando acorda, só de pegar o celular, já está trabalhando, visto que tudo tem se resolvido de maneira online. E isso interferiu em sua produção, pois o trabalho triplicou e a desmotivação para criar também. Sempre que consegue, procura motivação para estudar música e ensaiar, pelo menos duas vezes na semana, e, nessas horas, dedica seu momento todo a isto. Embora afirme que nem sempre esses horários são definidos ao certo.
Para Brey, ainda que agora estejamos mais acostumados, para um ser humano é angustiante e impossível não se sentir frágil com a pandemia, as incertezas no campo econômico, político e sanitário que assolam o país. Soma-se a esse quadro a inquietação por não poder ver os amigos e a incerteza de uma vida que pode se acabar rapidamente.
Já em Belo Horizonte, a aproximadamente uma hora de distância de onde acorda Marcos Brey, Judá também vive a pandemia. Antes, havia uma rotina de compromissos com a banda: normalmente sair na sexta e voltar segunda, após diversos shows. Com o isolamento social, a banda não se encontrou, nem mesmo para ensaiar, devido às dificuldades, pelo fato de os integrantes morarem em cidades distintas.
Judá, diferentemente de Brey, tem sua renda proveniente apenas da banda. Apesar de desenhar e ganhar algum valor com este tipo de arte que produz, prefere não chamar de trabalho para não colocar peso no que, hoje, serve para lhe dar prazer. Durante a pandemia já ficou dias apenas desenhando. Depois, dias tocando baixo e violão. Também já se viciou em exercícios físicos e, até mesmo, em culinária. Contudo, todas as atividades foram intensas no início e depois perdiam a graça.
A vida de Judá é estar nos palcos. Desta atividade, que nunca enjoou, se viu não podendo mais praticar. Apesar dos momentos tristes, Judá conseguiu lidar com a pandemia e com este novo padrão de normalidade. Passou a economizar mais nas pequenas coisas, como pedir menos comida, deixar de comprar co
isas que, hoje, percebe não fazer falta e, assim, adaptar a vida financeira e emocional à rotina que perdura.
A pandemia que imita a vida
Para Brey, há critérios para a escolha dos artistas chamados para a lives e esses são os mesmos que já existiam antes da pandemia: artistas do mainstream, que trazem mais visibilidade.
“A pandemia é apenas uma reprodução do que já acontecia no mercado musical, os critérios de escolha não mudam”
Um exemplo citado por ele é o do gênero sertanejo, que abarca mais de 90% do mercado cultural do país e é pra ele que são destinados os maiores cachês, lives e patrocínios.
Brey chegou a ser convidado para participar de lives, mas não por grandes empresas ou grandes patrocínios. A maioria dos convites vieram de instituições ou outros artistas. Segundo ele, na pandemia surgiram muitos editais de incentivo à cultura no âmbito municipal, estadual e federal, e, assim, aqueles que são do ramo puderam subsidiar seu trabalho, através da arte em casa ou através das plataformas digitais. Além disso, a Lei Aldir Blanc, emergencial para a área da cultura, tem priorizado todo o mercado cultural, desde o técnico de luz até o cantor que sobe ao palco, o que tem ajudado muitos artistas fora do mainstream. Brey acredita que, mesmo que alguns cantores tenham perdido mais que outros, os grandes nomes também perdem de algum modo, com shows ou projetos parados, por exemplo.
Judá também acredita que os artistas do mainstream que souberam trabalhar a carreira de modo online, com lives, gravação de músicas e conseguindo, assim, chamar o público, não perderam financeiramente. Contudo, acredita que ainda que sua banda tenha perdido valores consideráveis, algo em comum todos os artistas perderam: o contato direito com o público através do show.
Ademais, para ele, além da quantidade de seguidores ou popularidade que um grupo ou artista possua, o seu nível de engajamento é mais importante para as marcas.
“Não vale a pena para uma marca patrocinar uma live que o público que a assista não tenha nada a ver com o que ele vende, ou se este artista tem pouco engajamento com seus fãs”.
Marcos Brey apresentando no palco do Festival Pá na Pedra em 2019
Como a arte continua?
Para Judá, os artistas podem se apoiar nas lives, apesar de que, a banda Pense só optou por realizar uma em setembro, pois não achavam que valia a pena o risco desses encontros enquanto morriam mil pessoas por dia no país. No entanto, não se pode negar que o ponto alto de um artista é estar no palco, o “feeling” do encontro com o público é o momento mais alto na rotina de qualquer músico.
Judá baixista da banda Pense - Foto: Auriza Lemos
Atualmente, ficaram mais à vontade e realizaram duas lives, uma apenas da banda e o festival Monster. Para ele, nada substitui um show ao vivo, contudo, a live é uma solução possível para este momento, mesmo que não seja a melhor.
Marcos Brey também não enxerga, hoje, uma solução para o que os artistas vivem. Acredita que uma política de governo que apoie financeiramente e psicologicamente estes artistas que estão parados é uma boa saída. Porém, mesmo sem conhecer Judá, repete uma frase, que parecem ter pensado juntos: “estar com o público e em cima do palco é a essência do trabalho do cantor” e esta, por enquanto, não pode ser suprida. Para o cantor, a arte é uma força que sustenta o ser humano da realidade. A cultura contribui para o bem estar social, físico e emocional das pessoas, não só em tempos de pandemia, mas, principalmente, nestes.
Para ambos os artistas, é um momento difícil para todos, entretanto, para alguns mais que outros. A banda Pense tem produzido mais camisas, meias, moletons, vinis, além de músicas antigas em novos formatos para disponibilizarem nas plataformas de streaming. Os outros integrantes da banda trabalham com algo além da música para se manterem. Do mesmo modo, Brey continua dando aulas e participando de seus outros projetos, além de realizar com êxito seu produto principal que é ser cantor.
Deste modo, os artistas vêm tentando lidar, da melhor maneira possível, com a chegada (e estadia) da Covid-19. Uma vacina que nos imunize do vírus se faz, cada vez mais, necessária, para que vidas sejam salvas, abraços possam voltar a serem dados e o artista possa voltar ao lugar onde a arte faz sentido: junto do público.
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